quarta-feira, 30 de outubro de 2013

UM SUPOSTO ESTUDANTE

Recebi ontem por e-mail um presentinho muito especial que me proporcionou uma particular satisfação. Duas fotografias, duas fotos de um especial período da minha vida do qual, vá lá saber-se porquê, não possuía nenhuma imagem em arquivo e que, por isso mesmo, veio preencher uma lacuna na história fotográfica da minha vida.

Quis o acaso que nestas andanças da net viesse a encontrar um velho companheiro de estudo da então Escola Industrial e Comercial de Torres Novas e, conversa para cá, conversa para lá, soube que ele tinha duas fotos daquele nosso período em Torres Novas. Recebi-as ontem e considero-as duas pérolas muito especiais que guardarei com particular carinho e que deixo aí com muito gosto num pequeno trabalho que a propósito me apeteceu fazer.
Com o Antero Bento, que me ofereceu as fotos e que morava na Carregueira e também com o Inácio Salgado que, como eu, morava na Chamusca, fazíamos o trajecto de bicicleta para Torres Novas ida e volta diariamente onde frequentávamos o Ensino Secundário. Eram cerca de 40 kms diários (eu, aos fim de semana, ainda tinha mais 40 por causa da ida e da volta ao Chouto…) e, tratando-se de um esforço ainda considerável, suportávamo-lo mais ou menos com alguma facilidade porque eramos rapazes novos e pouco nos custava. O mais complicado e, aí sim, bem desagradável, acontecia no Outono e no Inverno com o frio e sobretudo com a chuva. Aí, a coisa era bem aborrecida e, como o dinheirito dado pelo meu pai para a “carreira”, como então chamávamos ao transporte de autocarro da então empresa Claras, era sempre escasso, bastas vezes fiz a viagem ao frio e à chuva. Uma mão no guiador da bicicleta e outra com o chapéu de chuva aberto a proteger o corpo e muitos kms o Victor fez debaixo de água e vento de e para Torres Novas! Muitos!
Outra aborrecida complicação que sentíamos nessas viagens e de que me recordo perfeitamente, acontecia quando se registavam cheias no Tejo e a estrada, junto à Golegã, ficava submersa porque a cheia galgava o chamado Dique dos Vinte. Fazíamos então esse trajecto de barco a remos com as bicicletas ao nosso lado encostadas às laterais do barquito e nós, quase imóveis, sentadinhos em frágeis tábuas no meio do barco. A viagem demorava cerca de meia hora porque o barqueiro tinha de a fazer não em linda recta, por causa da corrente junto ao dique, mas em meia-lua, mais ao largo, onde íamos contornando as copas das árvores igualmente submersas pelas águas. Chegados ao outro extremo do Dique dos Vinte era voltar a montar na bicicleta para chegar às aulas ou a casa.
Quanto aos estudos, ou melhor, aos supostos estudos, devo confessar que fui sempre um estudante de grau muito baixo e era muito mais um “passeador de livros”… Era. Era isso, na verdade! Nunca fui um bom estudante, não gostava muito daquilo e gostava muito mais das garotas… Dedicava-me muito mais a essa faceta, confesso e, o estudo, era sempre o mínimo indispensável, quando não mesmo o obrigatório. Fui um desastre completo nesse campo e, naturalmente, ao longo da vida, bem disso me arrependi. Mas já era tarde…
E, por falar em estudos, volto às fotos para terminar este apontamento para referir que estas duas fotografias foram tiradas no ano lectivo de 1961/62 e, seguramente, em dia que tínhamos aula com a professora Olga, uma terrível mulher que, se fosse viva e professora, com toda a certeza, pelos métodos que usava, não leccionava. Disso não tenho a mínima dúvida. Vê-se aí que estamos vestidos com casaco e gravata – dir-se-ia que estávamos num casamento… -  e era assim que ela nos obrigava a frequentar as suas aulas de Fisico-Quimica...  Para as aulas da Olga tinha de ser sempre com casaco e gravata! Na entrada para a sala de aula ela punha-se à porta, obrigava-nos a entrar em fila indiana e, um a um de cada vez, ela inspecionava-nos da cabeça aos pés. O problema maior era sempre o casaco e a gravata. Sem essas duas peças da indumentária nem sequer entravamos na sala de aula. Hoje é que ela devia fazer essa exigência...
A Doutora Olga era absolutamente insuportável e até mesmo intratável, dava-se muito pouco com a restante classe de professores e raramente frequentava a Sala de Professores. O marido trazia-a do Entroncamento onde moravam, ela seguia directamente para as aulas e depois levava-a de volta. Num ano lectivo, por doença, faltou todo um período e não foi substituída e, no segundo e terceiro período, deu todo o programa. Pode imaginar-se o que sofríamos para conseguir assimilar aquilo… Os "pontos" dela – o que hoje se chamam testes – não eram escritos em stencil e distribuídos aos alunos e aconteciam assim:  A Olga começava a escrever as perguntas no extremo superior do quadro preto na parede e ia escrevendo sem parar as diversas perguntas até ao fundo do quadro e, quando aí chegava, voltava ao cimo, apagava a 1ª pergunta e a 2ª e assim sucessivamente  e continuava a escrever mais e mais perguntas. Só parava quando o tempo da aula terminava e os alunos tinham de, apressadamente, ler as perguntas e responder por escrito. Se não sabiam à 1ª leitura dificilmente tinham tempo para pensar e voltar atrás para responder melhor…
A mim, essa sujeita, que já não deve ser viva, pôs-me a alcunha de “Pato Verde” – eu tinha um casaquito e uma gravata verde e muitas vez os usava - e sempre por essa alcunha me tratou e, no último ano, teve mesmo o descaramento de me ameaçar que nunca me passaria em ano algum… Disse-me assim (guardo bem na memória): “A ti, Pato Verde, nunca te passarei! Aqui tens-me no “Comércio” e, no “Industrial” na Electricidade e, se fores para o Entroncamento também lá me apanhas. Só tens uma forma de te livrares de mim: ficas aqui e inscreves-te na “Condição Feminina”. Às meninas não dou aulas !...” (“Condição Feminina” era um curso de frequência das miúdas…).
Ameaçou-me assim a Olga.
Que a terra lhe seja leve!...
E esteja lá muito tempo sem o "Pato Verde"!...

EM TEMPO – Antero Bento, o velho companheiro de jornadas estudantis em Torres Novas, entrou aqui e no meu site e deixou ali uma mensagem que fez com que verificasse que errei quando neste texto refiro que a profª. Olga leccionava a disciplina de Físico – Química quando, na verdade, era de Calculo Comercial. Nem sei como raio fui inventar esta da Físico – Química quando, no cartão do horário da escola, que ainda guardo, essa disciplina lá não consta… Coisas de cabeça avariada…
(Clique aqui para ampliar as fotos)

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