quarta-feira, 22 de março de 2006

O SECRETO “ISCO” DO TIO ZÉ PISCO...


De bem com a vida, com as coisas e com os homens, o nosso Tio Zé Pisco - já o escrevi em tempos e repito-o de novo !... - é um magnífico exemplo de vida para tudo e todos que com ele convivem.

Quase a atingir os 80 anos (oitenta anos !) de beirão de rija tempera, sempre aproveita as situações do seu dia-a-dia para, com um humor único, refinado e bem inteligente, brincar com o seu semelhante, com as coisas e com a vida. E, sempre, sempre com uma calma - até parece alentejano, o Tio Zé !... – uma paz, uma harmonia e um humor que a todos contagia. E que a todos ensina !...

Ora, foi com este espírito e esta envolvência que se passou a cena que hoje vou aqui narrar, contada pela nossa deliciosa Tia Tina, sua dedicada esposa de todos os dias há mais de meio século e que, posta perante a hilariante situação, mais não teve que “dar a volta” à conversa e solucionar a situação com um malandreco e furtivo sorriso de gozo, face à sempre continua e gostosa brincadeira do seu companheiro de vida.

Tio Zé – também já o afirmei – pescando durante mais de três dezenas de anos no rio Vouga, nas Termas de S. Pedro do Sul, “sacou” das suas águas toneladas de peixes (Aqui, não há exagero... Façam-se as contas!...) que, hora a hora, dia-a-dia o absorviam e animavam – e, se calhar, ajudam agora a viver tão bem de saúde !... - e, de volta ao seu estabelecimento de café e petiscos (a “Sibéria”) durante muito tempo e, com frequência, tinha à sua espera uma citadino rapaz, dos seus 14/15 anos que, entre abismado pelo volume da pescaria e pela afabilidade e grande delicadeza do nosso Tio Zé, sempre dele queria saber mais: Como era... Onde era... Com que era... Como fazer... O que podemos bem imaginar de um rapaz daquela idade, nascido e criado na cidade, que ali acompanhava os pais em banhos termais e que, admirado com aquela abundância de pescaria natural e sã do Rio Vouga, aspirava conseguir coisa igual ou parecida...

Os dias foram passando e, periódica e habitualmente, o nosso jovem ali aguardava pelo Tio Zé... Via o cesto, quase sempre a abarrotar de peixinhos do rio e, botando conversa com o experiente pescador, entre um, ansioso, e o outro bem colaborativo, algo de curioso diálogo sempre se travaria mas, é bom dizê-lo, nunca soubemos e o Tio Zé nunca o desvendou...

Foi então que, num fim de tarde, com o nosso tio demorando mais que o habitual e o nosso jovem da cidade esperando para ver e apreciar a pescaria dessa tarde do seu amigo, estranhando a demora e talvez preocupado com a hora do jantar com os pais que o esperariam no hotel, resolveu dirigir-me à nossa Tia Tina, entre preocupado e curioso:
- Dona Tina, o sr. Zé, hoje, está a demorar...
- Ah, pois está... Se calhar está entusiasmado com uma boa pescaria ?... respondeu-lhe a Tia Tina.
- Pois... Olhe, Dona Tina, será que a senhora me pode ajudar ? – interroga o nosso rapazinho da cidade.
- Se eu puder... – solícita a Tia Tina...
- Sabe ? – interroga-a – eu venho conversando muito com ele, muito admirado com as suas grandes pescarias e ele tem-me ensinado muita, muita coisa para eu começar a pescar. Eu já quis começar mas, agora, tenho uma grande dúvida e estava à espera dele para me esclarecer melhor... Como ele demora... se a senhora me pudesse ensinar...
A Tia Tina, toda solícita:
- Oh, pois claro, se eu souber. Ora diga ?...
- Sabe, Dona Tina ? Ele contou-me o segredo de como agarra tantos peixes !... O segredo do isco que põe no anzol mas, eu não entendi muito bem e precisava de ajuda... Ele, muito em segredo, contou-me que usa como isco caroços de azeitona mas, eu estou com uma dificuldade: já me esforcei muito e não consigo enfiar o anzol nos caroços de azeitona... Será, Dona Tina, diga-me, que ele os coze primeiro ?... É que os caroços crus, são muito rijos e eu não consigo ...

Pode-se imaginar a reacção da Tia Tina perante tal brincadeira do marido com o rapaz da cidade... Parece que, entre um muito mal disfarçado sorriso, só respondeu ao seu interlocutor:
- Oooh! E você acreditou nisso ? Nããão ?!!!... Isso, foi uma brincadeira dele consigo...

Desconhece-se se o jovem rapaz da cidade voltou à “Sibéria” e se confrontou o nosso Tio Zé com a brincadeira... O Tio Zé não se “abre” e nós não sabemos...

Mas, seria delicioso que o rapaz de então, hoje homem, talvez com filhos ... talvez citadinos ... lê-se esta história e connosco brincasse sobre ela !... E ainda bebíamos um copo a comemorar a história e à sua saúde...


E à do Tio Zé, a atingir os oitenta ! Com saúde e alegria !

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